24 agosto, 2010

Na íntegra:

"É"

Senta-se na cadeira, estica as pernas e apóia um dos braços na mesa. Com o outro segura o copo americano, onde um líquido amarelo citrino rodopia com o balanço da mão.
Meu estômago começou a repetir o mesmo movimento daquele recipiente no instante que a vi.
A cada passo que meus pés galgavam, senti o frio subir pelos dedos, fez a curva no calcanhar, serpentiou pelas pernas, deu uma guinada na espinha e atravessou meu coração. A mesma temperatura da bebida foi penetrando com facilidade pela pele, quanto mais me aproximava daquela mesa, mais congelada a minha pequenina e frágil presença.
Um leve tremular transformou-se em terremoto, chacoalhando toda a certeza que eu tivera. A pele arrepiava-se cada vez mais, o queixo travou forças para não tremer, mas os dedos tornaram-se pegajosos e esfreguei as mãos pálidas na calça para enxugar.
Se eu pudesse, me enfiava num grosso casaco de lã para acabar com esse frio mas era uma hora da tarde.
O sol parecia pouco se importar em queimar qualquer coisa que saísse da sombra, assim como ela não se importara nenhum momento com um corpo esquelético, chacoalhante, cambaleando ao passar: comigo.
Eu era o copo; sem graça, gelado e suando frio por conta do líquido amarelo , que rodopiava e girava na mão daquela pessoa. A cada gole um pouco mais da minha vida ia se esvaindo do meu interior e descendo goela abaixo de outrém.
Me estilhaçava como um vidro que trincou com o choque de uma pedra arremessada a cada passo que meu corpo franzino dava, uma marcha fúnebre de uma pessoa só onde o próprio velado fazia seu funeral.

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